sábado, 28 de agosto de 2010

ARQUITETURA DIVINA

Sou um arquiteto de versos tortos
Que por inspiração, mais que estudo,
Equilibro no papel meus sentimentos mudos,
A contruir com palavras meus múltiplos "Eu":
O vivo e os mortos.

Reconstruo um templo que no tempo se perdeu,
Onde cultuava uns deuses pagãos, profanos,
Que não conhecia e não entendia - todos insanos,
A governarem meu mundo-Eu em caos e agonia:
Por minha rebelião, cada um morreu.

E das ruínas do antigo templo, outro se construía,
Voltado para uma meditação em mim, já sem divindade,
À revelia de Javé, Maomé, Orixás e da Trindade,
Numa busca de mim, em mim, achei-me um Deus-Eu-Mesmo.
Dentro em mim uma velha crença assim morria.

Renasce agora, então, de um longo vagar a esmo,
Um construtor de sonhos, com tijolos de verbos,
Donde um templo assim se insurge: humilde e soberbo.
Erguido com paredes de palavras, e rimas, e versos
Para o culto de um mortal-demônio-deus: eu mesmo.

(28 de agosto de 2010)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

LICENÇA POÉTICA

Grito em palavras mudas
Sentimentos polissílabos,
Que se expressam no silêncio
De uma branca lauda,
Pouco a pouco.

E viajo, estático, dentro em mim
Nadando num mar de letras revoltas
Que se chocam, se fundem, se unem
E formam sílabas e palavras e frases
Que fluem de mim para outros.

Assim eu formo e reformo
Todo o conteúdo desse invólucro:
Frágil, quebradiço, vil, maciço.
E então eu me transformo:
Forte, consistente, sereno, consciente.

O plano papel em branco assim se preenche
De todo um mundo infinito e etéreo
De odores, e cores, e flores, e amores
Que de plano a multidimensional transmuta:
Alquimia de sentimentos e ideias e valores.


Derramo pela celeste pauta de minha pele-celulose
Um suor de vocábulos que escorre folha abaixo,
A esculpir em cada letra que se une e justapõe
Uma figura disforme, que se amolda e sobrepõe
A mim, que enfim, no correr do léxico, me acho.

(25 de agosto de 2010)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

TEMPO

Os últimos acontecimentos da minha vida têm-me permitido amadurecer, refletir sobre coisas que sempre evitei refletir, encarar alguns erros, algumas verdades. E, por trás de tudo, sempre a mão desse deus pagão velho e imortal, bom e mal, que segura as chaves de vidro da verdade... o tempo. Assim nasceu o meu novo poema, que vem seguido de um do velho mestre chileno...



Passa o tempo sobre mim
E me marca, me ensina,
Me mostra quem sou e o
Que busco - minha sina.

Em cada marca no rosto,
Em cada rasgo no coração,
Vem Cronos tocar meu peito:
Velho e triste, em solidão.

E passam os dias, as horas
Sem que eu deixe de questionar
A mim mesmo, ontem, agora...

E já cansado de meu caminhar,
Me esvaio, areia a escorrer,
Grão a grão, num tal de viver.

(17 de agosto de 2010)

EL TIEMPO QUE NO SE PERDIÓ

No se cuentan las ilusiones
ni las comprensiones amargas,
no hay medida para contar
lo que no podría pasarnos,
lo que rondó como abejorro
sin que no nos diéramos cuenta
de lo que estábamos perdiendo.

Perder hasta perder la vida
es vivir la vida y la muerte
y no son cosas pasajeras
sino constantes evidentes
la continuidad del vacío,
el silencio en que cae todo
y por fin nosotros caemos.

¡Ay! lo que estuvo tan cerca
sin que pudiéramos saber.
¡Ay! lo que no podía ser
cuando tal vez podía ser.

Tantas alas circunvolaron
las montañas de la tristeza
y tantas ruedas sacudieron
la carretera del destino
que ya no haya nada que perder.

Se terminaron los lamentos.

(Pablo Neruda)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

TOLO JARDINEIRO

Estou um tanto triste com os últimos acontecimentos nesse palco efêmero que chamamos vida. Vieram à mente lembranças, saudades, sonhos do passado... Enfim, envolto nessa névoa de sensações e sentimentos, escrevi esse poema que segue...


Explode em meu peito uma paixão incontida
De tudo que já vi, vivi e, mais ainda,
Das coisas que passaram, minha vida infinda
Pela coragem que não tive, pela chance perdida.

Quisera eu retornar aos momentos não finalizados
E arriscar-me, correr perigo, apostar um tanto mais.
Mas hesitei, por não saber não poder voltar atrás,
E extirpei-me tantos sonhos, de minh'alma transplantados.

Hoje, em meu jardim fazem falta tantas flores
Que não brotaram, num solo negro, estranho, de contradição
Enquanto fértil de desejos, estéril por tantas dores.

E segue assim, como que movido por um karma, uma maldição,
Regado por tantas lágrimas, em um gotejar insano, incloncuso,
A observar cada botão que não desabrochou, adormecido, recluso.

(24 de julho de 2010)

domingo, 8 de agosto de 2010

AD LITTERIS ET VERBIS

Vivo mergulhado num caos de letras
Que me vêm à mente, juntas, soltas,
Se embaralham, se misturam, se vão
E falam solitárias, belas ou rotas.

Fluem livres pelo papel
Rabiscadas, desenhadas, pintadas
Em forma, de forma, disformes
Com rima, buscando ritmo, estanques.

Desse caos saem palavras e versos,
Que em elo formam algumas estrofes
Onde retrato meu particular universo.

Nesse firmamento as leis são contrárias
A qualquer lógica contra seu caos,
Que impeça sua poesia - bela, torta, falha.

(20 de junho de 2010)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

POEMA DE UM LOUCO

"A nave dos loucos", de Hyeronimos Boch
Refletindo sobre a loucura, tive a inspiração de escrever esse poema. Afinal, apesar de ser tão má afamada e rejeitada, a loucura é essencial ao ser humano. Como escreveu divinamente Erasmo:

"A Loucura fala

Digam de mim o que quiserem (pois não ignoro como a Loucura é difamada todos os dias, mesmo pelos que são os mais loucos), sou eu, no entanto, somente eu, por minhas influências divinas, que espalho a alegria sobre os deuses e sobre os homens. (...)"
(Erasmo de Rotterdam (1467-1536), "Elogio da Loucura")



Eu sou um louco que vaga só,
A zombar dos que passam
E me estranham e me ameaçam
E dos que de mim têm pena ou dó.

Sou louco, e em minha desdenhosa loucura
Me divirto e rio e corro e páro
E opto, ante a regra, pelo que é raro
Numa busca infinita que em meu peito perdura.

Sou poeta, e louco, e alegre, e triste.

Sou alegre na tristeza do saber findar-me um dia,
Triste pelas alegrias, que também um dia cessarão.
Sou poeta, para viver o que o tempo assim me adia,
Na loucura de palavras e letras que também se apagarão.

Vago assim a dançar na chuva de um sonho triste,
Através de rimas óbvias em uns versos dissonantes,
A procurar por outros corações loucos e errantes,
Na loucura de uma poesia insana, que subsiste.

(15 de julho de 2010)

domingo, 1 de agosto de 2010

Andarilho de Sonhos

"A Criação de Adão", de Michelangelo Buonarroti

Viajo em pensamentos de terra e barro,
Que, felizes, são florestas de ares cálidos
Ou, tristes, desertos secos e áridos,
Por onde vago, com memórias às quais me agarro.

Sou, assim, um andarilho de palavras e versos
Que caminha entre estrofes tortas e rimas confusas,
Uma divindade pagã sem poderes, que vãs palavras usa
Para criar, com um verbo profano, mil universos.

No meu cosmos herético, cada ser é um ateu
Que luta com a filosofia contra as sagradas escrituras,
Tentando encontrar a verdade de um deus que se perdeu.

E nessa luta, que se trava num palco dantesco,
Exorcisam-se os demônios, os deuses e outras criaturas
Criando uma cena de pintura, de poesia, de afresco.

(04 de julho de 2010)