sábado, 31 de julho de 2010

Danielzinho

Por esses dias, conversando com minha mãe ao telefone, ela me contou que meu irmãozinho, Daniel, disse a ela que eu havia deixado meu "cheilinho no tavisselo", e que assim ele podia cheirá-lo, quando tivesse saudades de mim... Fiquei emocionado e fiz o primeiro poema pra ele...

Um cheiro no travesseiro
Deixei de mim para ti
Naquela noite.

E tu aspiras, suspiras
E me inspiras a te amar
Assim tão docemente.

De tão frágil naquele berço,
Junto ao macaco que te vigiava
Noite e dia,
Já agora te vejo tão crescido,
Tão esperto e eloquente,
Ainda junto ao macaco,
A lembrar-me, pelo cheiro,
Num suspiro.

Apesar da distância
Que nos separa forçosamente,
Tenho-te sempre comigo,
Impresso, esculpido em minha mente.

E que o saibas, mesmo sem o saber,
Até que essas palavras tenham efeito:
Teu brilho e teu sorriso,
Trago-os sempre junto ao peito.

(28 de julho de 2010)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Lago e o Mar

Esse poema é especial. Primeiro, porque saí dos sonetos, que repetidamente brotam de meus dedos, mesmo sem eu querer. Segundo, porque  acho que resumi bem uma característica típica do meu espírito: a inconstância.


Metade de minha vida é lago
A outra metade é mar.

Como lago, navego em águas calmas,
Tranquilo e sereno ao gosto da brisa.

Como mar, viajo em águas revoltas,
Ao sabor da incerteza das tormentas.

Como lago, posso pescar calmamente
E saborear cada peixe em plena brasa.

Como mar, não sei qual o rumo certo,
Nem posso esperar a pesca merecida.

No lago, planejo, espero, tenho certeza
De que a cada légua o céu terá clareza.

Em alto mar, as nuvens negras corrompem
Todo conhecimento dos ventos e das estrelas.

Como lago, sei exatamente onde o rumo
Certo da brisa mansa me há de levar.

Como mar, somente o medo de monstros e seres
Que me podem a própria vida arrancar.

Frente ao lago, me aquieto.

Encarando o mar, só desassossego.

No barco ao lago, me sento e acalmo.

Na fúria do mar, para controlar o leme, me ergo.

(09/02/2009)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Cântico Negro", de José Régio

Estava ouvindo a BandNews FM essa semana, na ida para o trabalho à tarde, quando me deparei com essa interpretação maravilhosa desse fortíssimo poema de José Régio, feita por Juca de Oliveira, no quadro Devaneio. Me identifiquei demais com o poema. Profundo, intenso...


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!"

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Vinicius de Moraes

Esse cara dispensa quaisquer tipos de apresentação e comentários. Como já havia dito, há um poema dele que acho emblemático no versar sobre o amor, o primeiro postado a seguir. Contudo, acho que há outros dois que, juntos ao primeiro, encerram perfeitamente o meu entendimento sobre o amor: o que é, como acontece, como termina e como recomeça... Enfim, Vinicius explica melhor...

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Soneto do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Pablo Neruda

Em se tratando de versar sobre o amor, das coisas que já li e como o compreendo, acho que o poema mais marcante, juntamente com o Soneto de Fidelidade, do Vinicius, é este do Neruda...

XLIV

Saberás que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo todavia.

Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino desditoso.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Fernando Pessoa

Talvez o poeta com o qual mais tenho me identificado ultimamente. Além da "Autopsicografia", que dispensa comentários, há um outro poema seu que para mim é marcante...

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Shakespeare

Um dos meus sonetos preferidos do Velho Grande Mestre, onde há o amor e a reflexão sobre a existência conjugados, com uma certa angústia do saber antecipado que tudo, inclusive o amor, tem um fim.

Soneto 65

Se ao bronze, à pedra, ao solo, ao mar ingente,
Lhes vem a Morte o seu poder impor,
Como a beleza lhe faria frente
Se não possui mais forças que uma flor?
Com um hálito de mel pode o verão
Vencer o assédio pertinaz dos dias,
Quando infensas ao Tempo nem serão
As portas de aço e as ínvias penedias?
Atroz meditação! como esconder
Da arca do Tempo a jóia preferida?
Que mão lhe pode os ágeis pés deter?
Quem não lhe sofre o espólio nesta vida?
     Nada! a não ser que a graça se consinta
     De que viva este amor na negra tinta.


LXV


Since brass, nor stone, nor earth, nos boundless sea,
But sad mortality o'ersways their power,
How with this rage shall beauty hold a plea,
Whose action is no stronger than a flower?
O! how shall summer's honey breath hold out
Against the wrackful siege of battering days,
When rocks impregnable are not so stout,
Nor gates of steel so strong, but Time decays?
O fearful meditation! where, alack,
Shall Time's best jewell from Time's chest lie hid?
Or what strong hand can hold his swift foot back?
Or who his spoil of beauty can forbid?
     O! none, unless this miracle have might,
     That in black ink my love may still shine bright.

(Tradução do inglês de Ivo Barroso)

domingo, 11 de julho de 2010

Iniciando...

Hoje começo, então, a postar e escolhi um poema que fiz certa vez, inspirado por uma das fotografias do projeto "Êxodos", do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, cujo título é também o título do poema nela inspirado, que posto a seguir.

Viúvas da Seca

Foto: "Viúvas da Seca" (Sebastião Salgado )

Vago pelo mundo, que para mim
é uma página em branco,
esperando ser preenchida
pela criatividade de minha pena.

Sou assim, simples, pobre, faminta
e esquecida pela minha geração,
que precisa ocupar-se de seu viver,
de suas compras, do tênis, da junkie food.

Sigo com os meus, refletindo sobre
o que fazer com a caneta que tenho,
da qual não sai tinta para preencher
a página em branco por onde sigo.

Terei eu destino, escolha, opção?
Ou será minha vida apenas ilusão,
causada pela fome que me move
pela areia, a buscar alimento para a alma?

Sei que caio em qualquer duna por vir
e ali descansarei e encontrarei a resposta
que todos procuram, quando são esquecidos
e abandonados à própria sorte, ao léu.

Só assim a página em branco será preenchida,
com uma letra torta, mal escrita, inacabada,
mas que em si mesma já contém todo o texto
que pelo vagar da areia, ainda assim, será apagado...


15/03/2007